Do Blog do Noblat
Lula e Dilma dão ênfase a quantidades, em detrimento de pertinência e relevância
Gustavo Patu
"E pasmem, para uma coisa que é importante: eu, torneiro mecânico, já sou o presidente da República que mais fez universidades neste país", anunciou o presidente Lula, na semana passada, em Teófilo Otoni (MG), como já havia feito, só neste ano, em Bacabeira (MA), São Leopoldo (RS), Araçuaí (MG), no Fórum Social de Porto Alegre e em Brasília.
Se não se trata de uma mentira em busca de ser verdade à custa de tanta repetição, é um exemplo sintomático do tipo de comparação de feitos que o PT parece querer imprimir à campanha presidencial da ministra Dilma Rousseff: que dá ênfase a quantidades, em detrimento da pertinência, recorre a números de consistência ou relevância duvidosa e, principalmente, ignora as contribuições do processo histórico.
Das 13 universidades contabilizadas pelo Planalto como obra sua, 9 são mero resultado de fusão, desmembramento ou ampliação de instituições federais de ensino superior inauguradas por outros presidentes -que, em sua época, também se valeram de estruturas preexistentes mantidas por Estados, municípios e empresas privadas.
A se levar a sério o levantamento do Ministério da Educação que sustenta a propaganda oficial, Juscelino Kubitschek supera o ritmo de Lula, com dez universidades em cinco anos de mandato. Até o arquirrival FHC, já acusado pelo petista de não ter criado nenhuma, conta com seis no documento.
A retórica de campanha deixa de lado dados e argumentos para defender a necessidade de mais universidades ou demonstrar seus efeitos na produção acadêmica nacional. A inauguração de instituições é apresentada com um fim em si mesma e evidência de uma nova era. "Tudo o que a gente puder fazer pela educação ainda é pouco diante da quantidade de anos em que nós não fizemos nada", nas palavras de Lula.
Sem a mesma verve do presidente, a ministra da Casa Civil se vale de um tom bem mais tecnocrático. "Até 2003 tinham sido construídas no Brasil 140 escolas técnicas profissionalizantes, e só no governo Lula já foram feitas 140, com a previsão de construção de mais 74. É esse tipo de comparação a que me refiro".
Tanto detalhamento está longe de significar precisão. As escolas federais criadas até 2009 foram pouco mais da metade do anunciado -e o número de matrículas, no período, cresceu apenas 20%, bem abaixo dos 45% na rede estadual.
Mais importante, omite-se que, na divisão consagrada de tarefas entre os entes federativos, o ensino profissionalizante cabe preferencialmente aos Estados, onde estão 30% dos alunos, o triplo do bolo federal, enquanto 55% das matrículas estão no setor privado. A ampliação da participação direta da União não é consensual entre os especialistas.
Combinação de preferência ideológica e conveniência eleitoral, todas as realizações reais e imaginárias citadas nos palanques petistas convergem para a apologia do papel do Estado e do gasto público, numa estratégia já empregada com sucesso no pleito de quatro anos atrás. Na época, o neoliberalismo, embora adotado com convicção pela primeira equipe econômica petista, foi o vilão escolhido.
Lula e Dilma, indiscutivelmente, respondem hoje por despesas recordes na área social -porque seu governo deu prioridade ao setor, mas também porque a Constituição de 1988 tornou obrigatórios gastos crescentes com previdência, saúde e assistência social, que se tornaram explícitos quando o Plano Real controlou a inflação.
Não satisfeitos, o presidente e a candidata tentam faturar até a principal frustração do segundo mandato: a tentativa malsucedida de, a partir de obras públicas listadas no PAC, elevar a taxa de investimento do país à casa de 20% do Produto Interno Bruto -no terceiro trimestre do ano passado, dado mais atualizado, a taxa estava em 17,7%, abaixo do patamar de 2007.
"Nos últimos 30 anos, se juntar tudo o que os presidentes da República investiram em saneamento básico, não chega à metade do que nós estamos investindo hoje", discursou Lula no último dia 3. Por sorte ou cálculo, o horizonte temporal mencionado deixou de fora os gastos incomparavelmente mais altos realizados pela ditadura militar na década de 70.
Mas, menos de um mês antes, o ministro Carlos Lupi (Trabalho), já havia anunciado que, de R$ 7,6 bilhões em recursos do FGTS programados para o setor, apenas R$ 1 bilhão havia sido efetivamente contratado em 2009. Tudo somado, ainda não foi superado o investimento de 0,23% do PIB de 2001.
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