quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Coação eleitoral

Do site do Chico Bruno

Bolsa Família sustenta novo voto de cabresto no Nordeste

Eduardo Scolese no Folha de São Paulo

Principal programa social do país, o Bolsa Família tem sido utilizado nesta campanha municipal como uma nova modalidade de cabresto eleitoral.

Candidatos a prefeito e a vereador usam o programa federal de transferência de renda (cuja base de dados para a seleção dos beneficiários é controlada pelos municípios) tanto para agradar ao eleitor, oferecendo-lhe um cartão de beneficiário em troca do voto, como para ameaçá-lo, condicionando sua permanência no programa à vitória de um dado político.

Neste ano, o governo reajustou em 8% o valor do benefício, anunciou um programa de qualificação de profissionais específico aos beneficiários e estendeu o benefício à jovens de 16 e 17 anos iniciativas tidas como eleitoreiras pela oposição.

À época do reajuste, o TSE disse que a medida poderia ser contestada no tribunal, mas até hoje ela não o foi. Ao contrário, a oposição também exalta o programa na campanha.

As eleições deste ano são, na prática, a primeira grande experiência municipal do uso do Bolsa Família para arregimentar votos. Em 2004, o programa ainda tomava corpo, beneficiando 4,5 milhões de famílias. Hoje são 10,8 milhões de famílias contempladas, que recebem entre R$ 20 e R$ 182.

Nas últimas três semanas, a Folha encontrou casos de uso eleitoral do programa no interior de Ceará e Piauí e ouviu denúncias informais em Paraíba, Bahia e Rio Grande do Norte.

Promotores dizem que o principal obstáculo à fiscalização é o medo dos eleitores de serem perseguidos após a denúncia.

Em Pedro Laurentino (PI), o candidato à reeleição, Gilson Rodrigues (PTB), encaixou no programa famílias de cidades vizinhas. Em troca, a condição que transferissem títulos eleitorais para Pedro Laurentino.

"Antes da eleição [de 2004, quando Rodrigues foi eleito] chegaram pra mim e falaram: "Transfere o título pra lá [Pedro Laurentino] e a gente dá um jeito de colocar você no cadastro'", disse Luciene Rodrigues, 28, que vive com o filho Walison, 7, em Socorro do Piauí.

Outro morador do município que recebe o Bolsa Família pela cota de Pedro Laurentino é Luiz Gonzaga Pires, 50. "[Em 2004] transferi o título e lá, depois, o prefeito [Rodrigues] ajeitou um Bolsa aí pra gente."

O prefeito e candidato à reeleição alega um "problema de regularização fundiária". Segundo ele, há cerca de 300 famílias que, por viverem próximas à divisa com outros municípios, votam e recebem o Bolsa Família em Pedro Laurentino, mas são contados pelo IBGE como habitantes de outras cidades. A Folha, porém, encontrou famílias com essa particularidade não apenas nos limites dos municípios: algumas delas vivem num bairro pobre no centro de São João do Piauí, a 50 km de Pedro Laurentino.

Outro uso do Bolsa Família na eleição ocorreu em Acopiara (CE). Enquanto respondia a uma pesquisa encomendada pela campanha do prefeito, Antonio Almeida (PTB), Maria Aparecida Pereira, 51, foi surpreendida com uma pergunta sobre o Bolsa Família. A Folha teve acesso ao questionário.

"A senhora ou alguém que mora na sua casa recebe o Bolsa Família?", quis saber o pesquisador. "Sim, eu recebo", respondeu Maria Aparecida. Na seqüência, duas perguntas sobre eleição. Em quem votará para vereador e para prefeito.

"Quando eu disse que votaria no Vilmar [adversário do prefeito], ele perguntou se eu não tinha medo de perder o benefício", diz a dona-de-casa, que completa: "Fiquei com muito medo de perder".

Mãe de seis filhos, ela saiu gritando pela rua, e o caso foi parar na Promotoria eleitoral, que abriu investigação. O prefeito nega a prática e diz que a denúncia é uma tentativa do adversário para prejudicá-lo.

Em Aroeiras do Itaim (PI), um lavrador procurou o Ministério Público para denunciar a responsável da prefeitura pelo Cadastro Único, licenciada do cargo para concorrer à vereadora, de tirar-lhe o benefício se não votasse nela. "Do jeito que eu dou o cartão [do Bolsa Família], eu também retiro", disse a candidata, segundo relato do lavrador aos promotores.

Em cidade do PI, programa atende 87% da população

Em Pedro Laurentino (PI), onde a prefeitura é a principal geradora de empregos, os números reforçam as acusações de irregularidade no uso do Bolsa Família. Há mais eleitores (2.472) do que habitantes (2.105), e 510 famílias recebem o benefício na cota da cidade -são 1.836 pessoas, ou 87% da população. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, é a maior proporção do país.
O número de vagas por município é definido pelo ministério, com base em estimativa de pessoas pobres. O município cadastra as famílias, e o governo federal concede o benefício.
Com a cota de beneficiários inchada por pessoas de municípios vizinhos, moradores pobres de Pedro Laurentino não conseguem mais acessar o Bolsa Família. Responsável pelo Cadastro Único local, a primeira-dama Cássia Rodrigues admite haver de 200 a 300 famílias fora do programa.
Um dos casos é o do casal Jonas, 24, e Maria Deusa de Sá, 23, recém-chegado de um período de quatro anos de trabalho em São Paulo.
"Já fiz o meu cadastro na prefeitura, mas dizem que ainda não chegou a minha vez. Estou esperando", afirma Maria Deusa, mãe de Marcos, 4, e Nicolas, de seis meses.
Além do prefeito Gilson Rodrigues (PTB), que concorre à reeleição, o outro candidato à Prefeitura de Pedro Laurentino é Edison Leite (DEM).

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